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FACUNDO GUERRA

Os brasileiros desempregados ou em situação de informalidade não estão empreendendo, apenas lutando por um prato de comida

TEXTO FACUNDO GUERRA ILUSTRAÇÃO GUSTAVO NASCIMENTO @FACUNDOGUERRA

Eu tenho me debatido muito sobre o que é empreendedorismo nos dias de hoje. Acho que essa é uma questão urgente e pouco discutida. Qual a diferença, por exemplo, entre um empreendedor e um empresário, ou um administrador de empresas? Penso que empreendedor e empresário são quase personagens diferentes dentro do mundo dos negócios. Eu, por exemplo, acredito que sou bom no papel de empreendedor, mas como empresário, nem tanto. Dificilmente você encontra o mesmo profissional fazendo bem as duas coisas.

O mundo não precisa de mais uma pessoa que se julga empreendedora sem nunca ter criado nada além de uma apresentação, um plano de negócios, um livro de autoajuda ou palestras motivacionais. Tampouco precisa de mais uma startup que só faz sentido em um power point e só se tornará lucrativa depois do juízo final. E, no entanto, não faltam empresas nas quais os criadores mais se parecem com pastores neopentecostais, pedindo atos de fé extrema em seus empreendimentos.

Empreendedor não é profissão, é apenas um estado. Enquanto você estiver abrindo seu caminho a picadas, no risco, lidando com poucos recursos e andando no fio da navalha, você será empreendedor. Depois da colônia assentada, será um empresário, um sedentário,

pelo menos até se aventurar por novos territórios. O que não é pouco: sem uma gestão sensata, nenhuma boa ideia para em pé. Não está implícita aqui a ideia de que ser empreendedor seria mais nobre do que ser um administrador de empresas ou um empresário. Mas, ao menos para mim, a figura do empreendedor se transmuta em empresário quando o negócio está montado.

Se já existe essa confusão entre empreendedor e empresário, poucas coisas neste planeta são mais irritantes — e mais sádicas — do que transformar a luta pela sobrevivência em empreendedorismo, como fazem a imprensa e os vendedores de autoajuda. É difícil definir o que é empreendedorismo, mas é relativamente fácil definir o que não é. Não é um desempregado vendendo balinhas em semáforo. Não é uma pessoa com dificuldade de locomoção entregando comida por aplicativos, nem senhoras de 90 anos distribuindo CVs por desespero, nem crianças trabalhando em plantações de cana-de-açúcar para ter algo que comer no final do dia.

Estas não são belas histórias de superação e resiliência: são lutas desesperadas pela sobrevivência, e não podem ser edulcoradas pela lente rosada do empreendedorismo, como um exemplo a ser seguido pela classe média preguiçosa. Não se deveria nunca confundir desespero com heroísmo. Esse tipo de notícia deveria nos encher de indignação. Não são lições de empoderamento ou superação. São, na verdade, exemplos extremos de desigualdade social e da falência de um Estado que deixa os mais frágeis à mercê do mercado. Não pense que considero menos o trabalho desses humanos: todo o trabalho honesto é digno, já dizia meu avô. Mas chamar 50% dos brasileiros desempregados ou em situação informal de empreendedores é usar uma palavra bonita e muito em voga para disfarçar a tragédia que significa milhões de pessoas desesperadas para arrancar do mundo um prato de comida para a sua família no final do dia.

Empreendedorismo é uma escolha, que envolve muito planejamento. Luta desesperada pela sobrevivência é só isso: uma luta.

SUMÁRIO

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2021-06-04T07:00:00.0000000Z

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https://revistapegn.pressreader.com/article/281698322676271

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