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“A CRISE NÃO ASSUSTA”

As startups já aprenderam a navegar na pandemia e seguirão crescendo em 2021. É o que diz Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) e um dos nomes mais importantes do cenário de inovação brasileiro

TEXTO MAURO SILVEIRA

Os investimentos em startups tiveram um crescimento recorde nos quatro primeiros meses de 2021. Como você avalia esse resultado?

Estamos num momento de muito otimismo, apesar da tragédia da pandemia. Como o Brasil ainda é um país com muitas deficiências, há um espaço enorme para o desenvolvimento de novas tecnologias que possam suprir as demandas do mercado. Estamos presenciando agora dois movimentos importantes. O primeiro são os IPOs. Diversas startups de tecnologia, inclusive de tamanho médio, abriram capital na B3 com muito sucesso, o que não era possível até então. O segundo movimento é a aceleração das fusões e aquisições de empresas de tecnologia. Com a pandemia, o varejo cresceu vários anos em alguns meses. Por conta disso, empresas tradicionais do setor, como Magazine Luiza e Mercado Livre, perceberam que adquirir startups seria o caminho mais rápido para ter acesso às tecnologias de que necessitam. Nesse sentido, a pandemia foi a tempestade perfeita que aproximou a demanda da oferta.

Como as startups reagiram à primeira e à segunda onda da pandemia?

Entre março e abril do ano passado, tudo ficou paralisado, porque o mundo tentava entender o que estava acontecendo. Investidores se retraíram, e as empresas deixaram de contratar talentos e de investir em inovação. Cerca de três meses depois, o ecossistema já estava mais adaptado e sabia como agir. Prova disso é que a segunda onda da pandemia, em 2021, não teve um impacto tão grande, nem reduziu o fluxo de negócios e de investimentos. Com a alta do dólar, os investidores internacionais passaram a olhar o Brasil com mais atenção, pois fazer aportes por aqui se tornou uma opção mais barata. A possibilidade de uma terceira onda da pandemia preocupa pela questão óbvia da saúde. Mas, do ponto de vista de negócios, as startups e os investidores já sabem o que fazer.

2021 pode se confirmar como o melhor da história das startups brasileiras até aqui. Quais são os obstáculos para que isso aconteça?

O maior deles é a instabilidade político-econômica, que pode levar os fundos internacionais a investirem em países com menor risco. Essa fuga ainda não ocorreu por causa da desvalorização do real frente ao dólar e do potencial de retorno dos investimentos. Mas pode acontecer. Há também o desafio da qualificação da mão de obra. A oferta de profissionais para trabalhar na área de tecnologia não cresce na mesma velocidade da demanda. Por fim, o marco legal das startups, aprovado em fevereiro pelo Congresso Nacional, trouxe frustrações. Não foram contempladas questões tributárias, como a falta de equiparação de investimentos em startups a outros, como

fundos imobiliários, que possuem isenção. São entraves que podem comprometer o desempenho das startups.

Há diferenças entre o modo como os investidores se comportaram no início da pandemia e agora, nos primeiros meses de 2021? Está mais fácil conseguir recursos?

Captar investimentos é sempre uma tarefa bastante desafiadora, embora esteja mais fácil agora do que no ano passado. Os investidores estão acessíveis, mas dão preferência a startups em estágios avançados. Os setores mais atrativos continuam sendo fintechs, protechs, retailtechs, edtechs e supply chain. Já o investimento-anjo, aquele feito quando a startup está no começo e ainda não gera muita receita, sofreu uma redução de 2019 para 2020, segundo a Anjos do Brasil. Esse capital precisa ser mais bem distribuído, para que o sistema avance de forma saudável. Caso contrário, não conseguiremos gerar novas startups para que cresçam e se tornem os tão desejados unicórnios.

Por falar em unicórnios: só tivemos dois deles neste ano, a Hotmart e a MadeiraMadeira. Por que um número tão baixo?

Nos últimos tempos, nós tivemos muitos investimentos oportunistas em áreas que estavam crescendo durante a pandemia. Os unicórnios são frutos de um processo de crescimento e de investimento entre sete e dez anos. Portanto, não nascem da noite para o dia. Gostamos de olhar para eles, porque são simbólicos. Mas é importante lembrar que representam a ponta do iceberg. Abaixo do nível da água, existem empresas médias e grandes já maduras, que superaram a casa do primeiro bilhão de reais. Nos próximos anos, vamos acompanhar diversas startups alcançarem esse patamar, o que é algo incomum e ao mesmo tempo fantástico.

E quais são as dificuldades estruturais ainda enfrentadas pelo ecossistema?

Nós temos um grande problema relacionado à diversidade. O fato de não conseguirmos ter uma representatividade maior tem impacto na capacidade de inovação, já que os produtos são feitos por pessoas semelhantes, para um público que não está sendo representado. No Brasil, isso acontece por questões históricas e estruturais. Afinal, tivemos mais de 300 anos de escravidão. Boa parte da área de tecnologia desenvolvida aqui é produzida por homens brancos, ricos e com acesso a uma qualificação diferenciada. A única forma de mudar essa realidade é dar um passo mais decisivo na direção da inclusão. E isso passa obrigatoriamente por oferecer uma educação de qualidade para quem não vem tendo acesso, e por criar programas que possibilitem maior visibilidade para esses grupos.

DATA BASE • 100 STARTUPS TO WATCH

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2021-06-04T07:00:00.0000000Z

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