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“O BRASIL PRECISA MUDAR”

Para Maitê Lourenço, da aceleradora BlackRocks, o ambiente de tecnologia só vai alcançar a maturidade quando houver uma melhor distribuição dos investimentos, contemplando as startups fundadas por negros

TEXTO MAURO SILVEIRA

Como avalia a lista das 100 Startups to Watch?

A lista deste ano tem uma boa variedade de negócios. No entanto, senti falta de mais diversidade racial, de representatividade de pessoas negras à frente de startups. Faz parte da nossa premissa de trabalho na BlackRocks promover mais acesso a esses ambientes de inovação, mas ainda observamos que há muito a fazer, muito a ocupar.

Existe um clima de otimismo entre as startups neste início de 2021. Como você vê a evolução do ecossistema de tecnologia nos últimos dois anos?

Acompanho o ecossistema de startups no Brasil há pouco mais de cinco anos, e tem sido interessante observar o seu crescimento. O alto valor dos aportes no início deste ano é bastante animador, porque significa que os investidores estão cada vez mais atentos aos negócios baseados em inovação e tecnologia. Mas a distribuição dos investimentos, considerando a diversidade racial nessas startups, segue como um ponto de atenção. Lançamos recentemente um estudo com a Bain & Company, exatamente para trazer um panorama desse ambiente, com um recorte racializado. E o que encontramos confirma a existência de uma série de barreiras raciais que dificultam consistentemente o acesso das pessoas negras. 80% dos agentes de investimento entrevistados pelo estudo disseram que levam muito em conta as indicações realizadas pela sua rede de relacionamentos. Então temos uma barreira de entrada logo de cara. Também entendemos, a partir do estudo, que a percepção dos entrevistados é de que poucas startups de fundadores negros chegam ao topo do funil de seleção desses agentes, seja por indicação, seja por canais mais amplos. Como efeito, o atual perfil do empreendedor no ecossistema — homem, branco, formado em universidades de ponta — se fortalece. Tudo isso impacta os empreendedores negros, que tentam furar a bolha e não conseguem.

Na sua opinião, as startups em geral reagiram bem à primeira e à segunda onda da pandemia?

De acordo com nossa rede na BlackRocks, tem sido um período de muitos desafios, mas também de algumas boas oportunidades de remodelagem, com revisão de planos por parte das startups. Crises são períodos preocupantes por um lado, mas sempre apresentam oportunidades de aprendizado. As empresas que participaram do nosso programa Grow Startups são exemplos disso: foram aceleradas dentro da pandemia, cresceram e despertaram interesse em agentes do ecossistema. Também reportaram uma melhora na sua performance, com um aumento de 89% dos clientes e 55% do faturamento. Outro número que nos impressionou: 67% fizeram novas contratações.

Quais são os maiores gargalos do ecossistema de inovação hoje?

A falta de lideranças negras para gerar inovação no país é um deles. Homens e mulheres que compõem 56% da população devem ser valorizados. Na BlackRocks, nosso trabalho é totalmente dedicado à diversidade racial, e a identificar cada vez mais pessoas negras em lugares de inovação e posições de liderança.

Quais são as maiores dificuldades enfrentadas por startups comandadas por negros?

Para que a startup dê os primeiros passos e consiga ser apoiada pelos agentes, ela precisa do capital inicial e de uma rede de contatos forte — o que é, muitas vezes, um desafio para fundadores com menor poder aquisitivo e que não estão inseridos na “bolha” do ecossistema. Além disso, tem de passar por alguns processos e critérios de seleção que funcionam como barreiras. Veja bem, dentre os fundadores dos nove unicórnios brasileiros identificados por um estudo da Distrito de 2020, 93% são homens, 43% estudaram na USP e 40% fizeram pós-graduação em Harvard ou Stanford. Desde a publicação do estudo, surgiram mais quatro unicórnios no Brasil, e todos eles têm apenas fundadores homens. Robson Privado, da empresa MadeiraMadeira, é o primeiro cofundador negro de unicórnio no Brasil.

Como a BlackRocks colabora para mudar esse cenário?

Em nossos cinco anos de atuação, provamos que a população negra já está inserida no ecossistema de startups, geramos conexões com grandes empresas e mostramos que os negócios tecnológicos liderados por pessoas negras têm total capacidade para resolver problemas reais e escaláveis. Mas sozinhos não conseguimos avançar. Para realizar mais ações, precisamos que as empresas se comprometam cada vez mais com a diversidade.

Quais as soluções para tentar chegar a um sistema mais igualitário?

A partir das conclusões do nosso estudo, conseguimos elaborar um roteiro com ações efetivas para aumentar a diversidade no ecossistema. É preciso monitorar métricas de diversidade racial em startups do pipeline e do portfólio dos investidores. Também é necessário aumentar a diversidade racial na liderança, nos times dos agentes e em suas redes de contato. Outras medidas são: incentivar maior diversidade nos times de startups e se aliar a agentes que lutam por essa diversidade. Assumir a posição de aliado da causa negra, demonstrar intencionalidade e apresentar ações concretas visando a mudança também são formas de construir um pipeline mais diverso.

DATA BASE 100 STARTUPS TO WATCH •

pt-br

2021-06-04T07:00:00.0000000Z

2021-06-04T07:00:00.0000000Z

https://revistapegn.pressreader.com/article/282230898620975

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