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POR DENTRO das NOVAS REGRAS TRABALHISTAS

O prolongamento da pandemia e a edição de novas medidas provisórias exigem atenção redobrada à gestão de pessoas. Confira as respostas às principais dúvidas dos empreendedores

TEXTO FELIPE MAIA ILUSTRAÇÕES HERBERT LOUREIRO

Há pouco mais de um ano, o governo federal aprovou a MP 936. A medida provisória oferecia uma série de ferramentas legais para que os donos de empresas pudessem lidar com a chegada do novo coronavírus. Com o prolongamento da crise e a segunda onda da pandemia, veio de Brasília mais uma tentativa de apagar o incêndio: em abril último, foram aprovadas a MP 1045 e a MP 1046. Dessa vez, as regras são mais restritas: o foco está em sustentar o motor da economia nos próximos meses do ano, preservando emprego e renda.

A tentativa pode surtir resultados positivos. Segundo pesquisa da LCA Consultores, quase 1,5 milhão de empregos estarão garantidos até agosto graças às novas medidas. A reedição da MP 936, agora dividida em duas, pode ser uma saída útil para os empreendedores que querem evitar demissões — sabendo que, no longo prazo, elas também prejudicam a empresa. “Os micro, médio e pequenos empresários odeiam demitir empregados”, afirma Eduardo Pastore, consultor jurídico da Fecomercio-SP. “Existem os encargos, a possibilidade de precisar dos funcionários mais tarde e também, claro, o problema social: é preciso considerar que uma família vai ficar sem alimento por causa disso.”

Para conseguir preservar a equipe sem causar danos à empresa, é fundamental entender como, quando e por que se deve recorrer às novas regras criadas pelo governo federal. Nessa fase de transição, em que não se sabe quando a situação vai melhorar, é importante também ficar em dia com questões trabalhistas relativas ao home office, à exigência de vacinação no ambiente de trabalho e às licenças tiradas por funcionários por conta da covid-19. Confira a seguir as respostas às principais dúvidas de gestão de pessoas na pandemia.

O QUE A REEDIÇÃO DA MP TRAZ DE DIFERENTE EM RELAÇÃO À MP ANTERIOR?

Uma medida provisória, como diz o nome, tem prazo de validade. Embora a MP 936 também tratasse das questões trabalhistas durante a pandemia, era muito mais abrangente e estava vinculada ao estado de calamidade pública. Com a continuidade da crise, foram editadas as MP 1045 e MP 1046, mais restritas e limitadas. “Essa reedição veio para dar um fôlego às empresas que querem preservar os funcionários: a MP 1045 trata da redução de jornada e suspensão de contrato, e a MP 1046 aborda itens mais específicos, como teletrabalho, antecipação de férias e feriados”, afirma Eduardo Pastore, assessor jurídico da Fecomercio-SP.

QUANDO VALE A PENA ADOTAR REDUÇÃO DE JORNADA E SALÁRIO OU SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO?

“A redução de jornada é mais adequada nas situações em que a empresa precisa continuar operando, mas com capacidade reduzida”, diz Rafael de Filippis, sócio do setor trabalhista do escritório Mattos Filho. “Já a suspensão funciona melhor para empresários que tenham de parar totalmente a produção e não precisem de mão de obra em um determinado período.” O especialista lembra que a MP 1045 dá essas duas opções aos empresários. Deve-se levar em conta fatores como folha de pagamento e fluxo de caixa para saber qual escolha é mais interessante. “Depende muito da situação atual de cada empresa”, finaliza Rafael.

25%, 50% OU 70%: QUAL É A MELHOR PORCENTAGEM DE REDUÇÃO DE SALÁRIO E JORNADA DE TRABALHO?

Esses três níveis de redução foram herdados da MP 936. A escolha vai depender do tamanho e do estado atual de cada negócio. “O empresário tem de analisar não só a demanda pelos seus produtos ou serviços, mas também a capacidade de honrar os custos daquela produção”, diz Rafael, do escritório Mattos Filho. Eduardo Pastore, da Fecomercio-SP, lembra que empresas maiores costumam recorrer a percentuais menores, enquanto pequenos empreendimentos geralmente reduzem mais, para tentar se manter de pé. Vale lembrar que o empregador deve continuar a pagar os benefícios, tais como vale-refeição e valetransporte, por exemplo.

VALE A PENA SUSPENDER O CONTRATO? POR QUANTO TEMPO?

Essa é outra questão que depende dos indicadores financeiros do negócio. É necessário fazer um cálculo básico, levando em conta a capacidade de produção da equipe e o nível atual de ociosidade dos funcionários. “Acredito que a suspensão do contrato de trabalho seja interessante para as empresas que estão com o estoque elevado. Ao adotar a medida, o empresário poderá fazer uma boa economia na folha de pagamento e aproveitar para pagar dívidas, ou fazer uma reserva”, diz Marco Antonio Frabetti, professor de Direito Empresarial do Instituto Mauá de Tecnologia. “Caso opte pela suspensão, é melhor adotar o prazo legal de 120 dias.”

EM QUE CASOS PODE SER INTERESSANTE ANTECIPAR FERIADOS OU DAR FÉRIAS COLETIVAS?

Antecipar feriados é algo que governadores e prefeitos de alguns estados do Brasil têm feito, na tentativa de mitigar a taxa de contágio da pandemia nos últimos meses. No mundo corporativo, essa medida é prevista pela nova MP e se aplica inclusive a casos de feriados religiosos — isso não acontecia na medida editada em 2020. “A antecipação de feriados tem um impacto muito pequeno na folha de pagamento”, afirma Eduardo Pastore, da Fecomercio-SP. “Eu começaria usando redução de salário e jornada, em segundo lugar optaria por antecipação de férias individuais e coletivas, e deixaria para o final a suspensão de contrato de trabalho.”

QUANDO OS ACORDOS COM FUNCIONÁRIOS DEVEM SER DECIDIDOS COLETIVAMENTE? E QUANDO DEVEM SER ANALISADOS CASO A CASO?

A nova MP prevê acordos em casos de redução de salário ou jornada, mas as conversas poderão ser individuais ou coletivas, dependendo do caso. Segundo Marco Fabretti, do Instituto Mauá de Tecnologia, a redução de 25% pode ser acordada entre funcionário e patrão. As reduções entre 50% e 70% também podem ser realizadas individualmente com funcionários que ganhem até R$ 3,3 mil, ou funcionários com ensino superior e salário superior a R$ 12.867. “Para empregados que recebem entre R$ 3,3 mil e R$ 12.867, a redução deverá ser realizada por meio de acordo coletivo, com a participação do sindicato da categoria profissional.”

É PRECISO INFORMAR O GOVERNO SOBRE OS ACORDOS? COMO?

Segundo Frabetti, do Instituto Mauá de Tecnologia, é dever das empresas informar o governo sobre os acordos celebrados com os empregados. Essa atualização pode ser feita pelo portal eSocial, em até dez dias após a celebração do acordo. “Na hipótese de o empregador não informar o Ministério, ele ficará responsável pelo pagamento do salário integral do empregado, inclusive os respectivos encargos sociais, até que a informação seja prestada”, afirma Frabetti. Rafael de Filippis, do escritório Mattos Filho, lembra que também é preciso informar os sindicatos da categoria em até dez dias, nos caso de acordos coletivos.

COMO FICAM OS DEPÓSITOS DO FGTS E OS PAGAMENTOS DE FÉRIAS?

A nova MP também facilita a vida dos empreendedores na hora da contribuição mensal do FGTS. “As empresas podem deixar de depositar abril, maio, junho e julho, e só fazer o pagamento a partir de setembro, parcelado em quatro vezes”, diz Rafael de Filippis, do escritório Mattos Filho. Esse adiamento também vale para verbas relativas a férias. O pagamento do terço constitucional foi flexibilizado e poderá ser feito até 20 de dezembro, último dia para o depósito do 13º. O mesmo esquema vale para empregados que façam uso do abono pecuniário, vendendo dias de férias.

EXISTE UM MOMENTO CERTO PARA DEMITIR?

Se as MPs existem, é por uma razão: evitar cortes. As medidas criam uma série de alternativas das quais o empreendedor pode lançar mão antes de partir para essa solução drástica. “A demissão só deve ocorrer depois de esgotados todos os outros mecanismos”, afirma Eduardo Pastore, da Fecomercio-SP. O especialista lembra que, nesses casos, o empregador deve ficar atento ao período de contrapartida obrigatório. Se o empregado teve seu contrato suspenso ou sua jornada reduzida por, por exemplo, dois meses, ele deverá ter o emprego garantido pelo mesmo período ao voltar ao trabalho.

ATÉ QUANDO POSSO MANTER O FUNCIONÁRIO EM HOME OFFICE?

Rafael de Filippis, do Mattos Filho, explica que a MP não estabelece um prazo específico para o trabalho remoto. A medida prevê, sim, uma facilidade no uso do regime de home office: a empresa poderá decidir pelo trabalho remoto sem necessidade de acordo, e comunicar o funcionário com 48 horas de antecedência. Essa regra vale para os 120 dias em que a MP estiver vigente. Assim que esta deixar de valer, será preciso verificar os contratos, para evitar discrepâncias entre o que está escrito e o que é praticado pelos empregados. “As empresas devem adequar esses processos ao fim dos 120 dias”, diz Rafael.

QUAIS AS REGRAS PARA QUE O FUNCIONÁRIO VOLTE A TRABALHAR PRESENCIALMENTE?

Se ele estiver contratado pelo regime da CLT, seus direitos e deveres não mudam, seja em casa, seja na empresa. “Só são alterados alguns aspectos, como o vale-transporte, que é suspenso no teletrabalho”, diz Eduardo Pastore. Na volta à empresa, ele afirma, passam a valer protocolos de segurança e saúde. “É preciso muito cuidado, porque quem resolver voltar para o presencial tem de obedecer às normas”, diz Frabetti, do Instituto Mauá de Tecnologia. Ele lembra também que a legislação garante um prazo de 15 dias na transição do teletrabalho para o trabalho presencial.

EMPRESAS PODEM EXIGIR QUE FUNCIONÁRIOS TOMEM A VACINA CONTRA A COVID-19?

A exigência de vacinação pode colocar em conflito esferas do direito legal e coletivo. Todos os especialistas consultados pela PEGN, contudo, afirmam que as empresas podem fazer esse tipo de exigência. “O direito à liberdade, garantido às pessoas pela Constituição, jamais deverá se sobrepor ao direito coletivo”, diz o professor Frabetti. Eduardo Pastore, da Fecomercio-SP, completa: “Empresas têm interesses coletivos. Caso um empregado não esteja vacinado, ele pode causar uma contaminação sistêmica no ambiente de trabalho”. Segundo o consultor, isso não significa que o funcionário que se recuse a se vacinar possa ser demitido por justa causa. Nesses casos, vale o diálogo.

FUNCIONÁRIO PODE SE RECUSAR A FAZER DETERMINADA ATIVIDADE, CASO ACREDITE QUE REPRESENTA RISCO?

Há polêmica sobre esse ponto. Para Pastore, da Fecomercio-SP, o funcionário pode se eximir de alguma atividade, caso veja risco de contrair o novo coronavírus. Nesse caso, cabe à empresa oferecer condições seguras para a realização do trabalho. Frabetti, do Instituto Mauá de Tecnologia, afirma que o empregador pode exigir que o empregado realize determinada tarefa, uma vez que cabe à empresa assumir os riscos da atividade econômica. Mas há interpretações da lei e exceções — a empresa pode substituir uma viagem por uma call, por exemplo. Para Rafael de Filippis, do escritório Mattos Filho, a palavra final deve vir do médico da companhia. “Quem determina isso é a medicina ocupacional do trabalho”, diz.

COMO FUNCIONAM AS LICENÇAS MÉDICAS PARA QUEM ESTÁ INFECTADO PELO CORONAVÍRUS OU EM QUARENTENA?

Segue valendo o bom senso. Em caso de contaminação, o funcionário deve se isolar. Existem dois cenários possíveis nessa situação: ou o empregado continua apto a trabalhar remotamente, uma vez que ele é assintomático ou apresenta sintomas brandos, ou ele desenvolve sintomas mais graves, que o impedem de realizar as atividades. Em ambos os casos, diz Rafael de Filippis, do escritório Mattos Filho, a medicina ocupacional da empresa deve avaliar o atestado médico fornecido pelo funcionário. Isso porque, caso o afastamento do empregado seja superior a 15 dias, caberá ao INSS arcar com os custos do salário.

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2021-06-04T07:00:00.0000000Z

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