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FRANQUIAS PREPARADAS PARA OS DESAFIOS DE 2022

TEXTO PAULO GRATÃO FOTOS VÍTOR JARDIM

Quando assumiu a presidência da Associação Brasileira de Franchising (ABF), em 2019, André Friedheim não tinha como prever que lideraria o setor durante transformações tão intensas. Na posse, o plano era dedicar cerca de 20% do seu tempo às atividades da entidade. Dessa forma, conseguiria conciliar a função com a gestão de suas próprias empresas: a consultoria Francap e as redes Café do Ponto e Casa Pilão, das quais é máster-franqueado. Nas primeiras semanas da crise sanitária, no entanto, tudo mudou. Friedheim encabeçou reuniões diárias da ABF, em busca de respostas para problemas inéditos. O tempo dedicado às demandas do setor passou a ocupar mais de 50% da agenda. Vinte meses depois, e prestes a entrar em seu último ano de mandato, Friedheim sentou-se com PEGN, ainda de forma virtual, para fazer um balanço e traçar perspectivas. Na ocasião, ele tinha em mãos os números do terceiro trimestre de 2021 — o primeiro balanço positivo no ano, em comparação com 2019. Com os ventos favoráveis, a ABF reviu a previsão de crescimento do franchising para 2021, de 8% para 9%. Um alento, mas que ainda não compensa o tombo de 2020, de mais de 10,5%. Os dias de lojas fechadas e medidas de restrição começam a ficar na história. Mas há novos capítulos, também desafiadores, se abrindo para o setor.

ANDRÉ FRIEDHEIM

Tem 52 anos e é presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF) desde 2019. Em mandatos anteriores, liderou as diretorias internacional e de marketing e a vicepresidência da entidade. Formado em administração de empresas e pósgraduado em marketing e finanças, Friedheim atua em projetos de consultoria, gestão e formatação de franquias há mais de 20 anos, com a Francap. Em paralelo, é másterfranqueado das redes Café do Ponto e Casa Pilão. Em 2021, o empreendedor também se tornou másterfranqueado da rede de estética Estetic360

Como estão as relações entre franqueadores e franqueados agora, olhando para um cenário pós-pandemia?

Franqueados e franqueadores se aproximaram muito nos últimos 20 meses. Não tem mais aquela distância entre uma ponta e outra. Nas minhas redes, eu faço uma reunião a cada 15 dias com meus franqueados para que eles possam falar o que quiserem. A participação é facultativa, mas é um canal aberto para que eles tenham como falar comigo e eu com eles. Essa aproximação também tirou as desconfianças que existiam. Hoje o próprio franqueado vem trazer o DRE [demonstrativo de resultados do exercício] para que o franqueador o ajude a encontrar onde economizar. Existe uma busca conjunta para a redução de custos, e isso interessa a todos.

Os papéis do franqueador e do franqueado mudaram?

Os papéis ainda são bem delimitados, mas cada um ganhou funções que antes não existiam. O franqueado passou a ser também um centro de distribuição local, integrado ao e-commerce do franqueador. Já a franqueadora passou a atuar de forma mais consultiva no dia a dia das redes, não só pensando estratégia, produto ou serviço.

Segmentos importantes do franchising sofreram bastante na pandemia, causando um tombo maior do que o do PIB no ano passado. Como vem sendo 2021 para o setor?

Muitos segmentos tiveram alta, como casa e construção, enquanto outros sofreram, como hotelaria e turismo. Mas, agora, com a demanda reprimida, já vemos uma recuperação. Empresas de turismo, por exemplo, têm uma fila gigante de pessoas querendo ir para os Estados Unidos, o que mostra uma recuperação [o país norte-americano reabriu as fronteiras em 8 de novembro]. No entanto, algumas ainda estão muito fragilizadas. Essa recuperação, com resultados acima até de 2019, nos impulsionou a rever a expectativa de crescimento para 2021.

De que forma a atuação da ABF se transformou ao longo da pandemia?

Nos aproximamos de outras entidades que têm mais ou menos a mesma linha de raciocínio que a nossa. Unimos forças, fomos brigar juntos. O meu discurso na convenção de 2019 dizia que o franchising é uma startup, e que existíamos por causa do “coopetition” – competição combinada a colaboração. Eu não tinha como prever que isso viraria prática tão pouco tempo depois. Tivemos de fortalecer muito o nosso pilar educacional. Eu tive um sonho de trazer as mesas-redondas da convenção anual da ABF – muito bem avaliadas – para o digital, e fizemos isso. Deu muito certo. Tivemos também uma ação institucional forte. Antes, só trazíamos a resposta de demandas do setor ao governo ou a outras instâncias, mas esse “sim” ou “não” envolve muitas viagens, reuniões, contatos em Brasília ou no exterior. Agora, começamos a mostrar cada um dos passos nas nossas mídias sociais.

Como foi para você liderar a entidade durante esse período?

No ápice, montamos um grupo de crise com diretores e membros do conselho, com reuniões todos os dias às 18h para ver o que fazíamos. Eu, como presidente, me sinto responsável, mas não tenho a fórmula mágica, a resposta para tudo. A ABF trabalhou muito, fizemos inúmeras reuniões com a Abrasce [Associação Brasileira de Shopping Centers], tentamos negociações, aí teve o IGP-M [o índice utilizado para reajuste nos contratos de aluguel teve variação de mais de 30% em 12 meses], que já estava previsto nos contratos. Trabalhamos muito, mas não conseguimos ganhar todas as brigas. Eu tenho a consciência tranquila, pois não deixei de abordar nenhum dos assuntos que chegaram até mim, seja governo, impostos, bancos, financiamento, tudo.

Eu me orgulho. Olho para trás e ninguém pode acusar a ABF de não ter agido, trabalhado em prol do sistema. No final, são entidades privadas fazendo negociações. Todo mundo tem contratos assinados e estratégias que foram montadas antes disso tudo.

Como está o número de empresas franqueadoras no Brasil? Muita gente saiu do mercado?

Teve gente que saiu, sim. Mas agora, falando como Francap: acho que eu nunca tive uma fase tão boa como a que estou tendo hoje. Grandes empresas procuram a nós e a outras consultorias do setor para adotar a franquia como estratégia. Qualquer consultor está cheio de projetos. Tínhamos expectativa de crescer 2% no número de redes e revisamos para 4%, o que representa cerca de 150 novas redes de franquia. O mercado está aquecido para novas franqueadoras, novas verticais. Há muitas coisas legais sendo desenvolvidas. Na própria ABF, já estamos

voltando com o número de associados do pré-pandemia, que era de 1.400. Hoje devemos ter 150 empresas em processo de associação. Não só de franqueadores, mas startups, franqueados, multifranqueados, fornecedores e outros stakeholders.

As microfranquias se tornaram protagonistas no franchising nacional nos últimos dois anos. Quais efeitos isso deve trazer para o futuro do setor?

A microfranquia é importante para o franchising. Redes de menor custo fizeram o setor girar várias vezes. Eu vejo o formato com muito bons olhos. Muitos franqueadores tradicionais criaram microfranquias, e acho que de 60% a 70% dos prospects de franquia no Brasil estão dispostos a investir até R$ 100 mil. É um dos motores do crescimento do franchising, e o modelo deve continuar popular devido a fatores como desemprego em alta e juros ainda relativamente baixos. Isso é uma tempestade perfeita para o franchising. No entanto, precisamos sempre reforçar que a microfranquia é só uma questão de investimento, que nós revisitamos recentemente para o limite de R$ 105 mil, de acordo com os dados do Banco Mundial. O serviço e a assistência prestados precisam ser exatamente os mesmos de uma franquia tradicional. Essa é uma teoria que deveria acontecer na prática.

Esse formato acaba sendo a porta de entrada de muita gente que sai de um emprego e entra no empreendedorismo. O perfil é diferente?

Como geralmente são franquias de serviço, o papel do franqueado é muito importante nesse tipo de

negócio. É ele quem faz tudo. Ele precisa ser muito disciplinado, muito automotivado e ter uma veia comercial importante. É diferente de uma franquia de produto, com uma loja, em que ele é muito mais um gestor. Além disso, muitas permitem que se trabalhe de casa, com horários flexíveis. No meu ponto de vista, continuará sendo muito procurado.

Estamos em uma fase de inflação alta e juros subindo. Como isso pode impactar a recuperação das franquias?

Vamos ter um 2022 um pouco mais difícil do que esperávamos, a economia desandou um pouco aqui no Brasil. O índice de confiança das pessoas começou a cair. Estamos com a inflação muito mais alta do que a meta, com o PIB apontando para um crescimento menor. Isso mexe com o poder de compra das pessoas e é um cenário desafiador para 2022. Mas ainda temos uma demanda reprimida por tudo o que vivemos nesse último um ano e meio. Hoje temos as pessoas fazendo fila em restaurante, indo para shopping centers, aeroportos. Sem dúvida será um cenário desafiador, com questões macroeconômicas ainda não muito bem definidas. Mas uma das vantagens do franchising são as marcas fortes, e, em tempo de crise, o consumidor quer comprar sabendo o que vai receber em troca. As marcas fortes sobressaem.

Esse aumento de custos influencia a entrada de novos empreendedores no setor?

O franchising vai continuar crescendo, mas o franqueador precisa

deixar claro para o franqueado que há uma necessidade de capital de giro maior, e que o crescimento de vendas será um pouco mais espaçado. Não dá para vender franquia para aquele empreendedor que só tem o valor certinho do investimento inicial. A ABF não regula mercado, então não posso punir quem vende franquia de forma irregular. O franqueado tem de estar mais preparado financeiramente para o desafio de 2022.

Nestes últimos meses, vimos várias teorias – dessas apresentadas em eventos internacionais de varejo – ganharem a prática em tempo recorde. Qual você acha que foi o maior legado para o setor?

As franquias aprenderam a lidar com dados: elas se atentaram à captura, à gestão e ao entendimento. Conseguiram ver na prática como isso pode ser benéfico para os negócios. Passaram a tomar decisões estratégicas baseadas em dados, identificando perfis de consumidores. A estratégia de manter o cliente no centro é importante para o futuro do processo de decisão das empresas.

Com o crescimento de delivery, dark kitchens e vendas por redes sociais, a negociação nos custos de ocupação mudou?

Isso esteve em nossas conversas com a Abrasce, mas, novamente, são entidades privadas negociando entre si. Alguns casos foram aceitos, e outros, não. Lutamos para que o aluguel percentual cobrado sobre operações de delivery – produtos feitos no shopping, mas não consumidos no local – fosse apenas metade do que pagamos por um produto consumido no shopping.

Mas era eu, como entidade, falando com outra entidade, colocando nossos pleitos. Sabemos que, hoje, a dinâmica em shoppings mudou, os aplicativos podem gerar a compra, e não mais a loja física. Hoje tem motoboy entrando no shopping para buscar o pedido, diferentemente de como era antes. Alguns se sensibilizaram, outros não. Mas uma coisa é falar com um shopping concorrido em São Paulo, e outra é negociar com um no interior, que não quer perder os lojistas.

Outras formas de investir no mercado de franquias, sem necessariamente ser um franqueado, ganharam força na pandemia, como a compra de cotas de unidades. Como você vê esse movimento?

Eu vejo como uma operação financeira normal. Mas o franqueador precisa se preocupar em saber quem é o franqueado que vai tocar o negócio. Temos várias fontes de financiamento: crowdfunding, home equity, financiamento bancário. Posso trazer dinheiro como eu quiser, inclusive por cotas. Mas a grande preocupação dos investidores é quem vai operar a franquia. É preciso ter acesso a essas informações e fazer uma pesquisa profunda.

As fusões e aquisições eram apontadas como uma tendência e, de fato, se concretizaram ao longo de 2021. Você acredita que ainda exista espaço para consolidação? Isso é benéfico para o setor?

Deve continuar sim, o que é muito bom. As franqueadoras começam a ganhar musculatura. O pequeno varejista se beneficia dos ganhos de escala da rede. Existe um back office compartilhado para todas as marcas. É óbvio que existem desafios culturais, como o estilo de gestão, mas há mais vantagens do que desvantagens. É benéfico para o franchising e principalmente para o franqueado. É muito mais vantajoso do que desafiador.

De que forma as discussões mais presentes sobre ESG [ambiental,

social e governança] devem transformar as franquias? O setor já tem sentido algum efeito?

Nós, como ABF, queremos disseminar e divulgar as melhores práticas. Não somos consultores nem impomos nada. Queremos mostrar o que se faz no mercado para que as empresas possam se inspirar. Criamos uma comissão dedicada a temas ESG, que já deve produzir conteúdo no próximo ano. Eu coloquei essas comissões para rodar de forma mais intensa, cobrando estatuto e regras. ESG para mim era muita teoria, que passou a ser prática. Eu quero inspirar.

Você agora entra no último ano deste mandato. O que quer fazer de diferente? Que marca quer deixar?

Eu quero realmente entregar a ABF transformada digitalmente. O embrião vai ser uma plataforma de educação, que lançaremos no começo de 2022. Entregaremos uma ABF mais inclusiva, com maior participação dos membros. Dando voz e palavra a todos. Acho que temos hoje uma ABF mais participativa, com mais gente fazendo parte. E quero entregar um setor com mais visibilidade para a sociedade e para o governo. Nós opinamos mais, colocamos as nossas posições, mostramos os números que produzimos de empregos, empreendedorismo, participação no PIB. Vamos entregar um setor com mais visibilidade.

ENTREVISTA

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2021-12-02T08:00:00.0000000Z

2021-12-02T08:00:00.0000000Z

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