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ENSAIO FAVELA 5.0

TEXTO MONICA KATO FOTO MILENA PALLADINO. THAYNA BONIN E VITOR JARDIM

Os negócios da comunidade têm levado inovação à periferia e alavancado a economia local, com soluções que vão de delivery a segurança para mulheres ameaçadas

A tecnologia, em sinergia com a vontade de empreender, vem transformando a vida nas comunidades periféricas, com negócios locais que trazem oportunidades de melhorias para o dia a dia dos moradores. Conheça histórias de quem está usando recursos digitais para promover inovação social

Entre outras definições, o termo 5.0 está ligado ao foco que se dá ao desenvolvimento de soluções tecnológicas para trazer bem-estar e qualidade de vida às pessoas e soluções para problemas sociais. É assim que muitos negócios, especialmente nas favelas, vêm atuando, principalmente depois da pandemia. Pudera. Segundo pesquisa realizada pelo Data Favela, na era da covid-19, 64% dos empreendedores das favelas precisaram fazer mudanças no seu comércio ou negócio de prestação de serviço, e as principais delas tiveram a ver com a digitalização: atender pela internet e trabalhar com delivery.

Se parece um caminho óbvio e relativamente simples para quem não vive em favelas, para os residentes de comunidades periféricas não é nada fácil. Isso porque, embora 83% da população desses locais tenha acesso à internet, na imensa maioria dos casos, essa conexão é precária. O dado também vem do Data Favela, instituto de pesquisa que cobre todas as favelas do país, fruto de uma parceria entre a Cufa (Central Única das Favelas) e o Instituto Locomotiva.

Ter internet de baixa qualidade, no entanto, não é empecilho para essas pessoas. Aliás, é mais um motivo para continuarem perseverando. “A favela quer ser a melhor versão de si mesma”, diz Celso Athayde, fundador da Cufa e CEO da Favela Holding. Significa que quem mora nessas regiões não tem necessariamente intenção de sair de lá. O Data Favela constatou que 98% dos habitantes têm orgulho de sua origem, e 93% exaltam onde moram.

LUGAR DE POTÊNCIA

Isso não é pouco. No Brasil, são 17 milhões de pessoas vivendo em 5 milhões de domicílios, em 13 mil favelas. Se fossem um estado, elas ficariam em 4º lugar no país em termos populacionais, atrás apenas de São Paulo (41 milhões), Minas Gerais (21 milhões) e Rio de Janeiro (17 milhões).

Para se ter ideia do potencial econômico desse público, o consumo anual gerado é de R$ 127 bilhões. “Há mais de 20 anos, criei a expressão de que favela é potência, não é carência”, afirma Athayde. De fato. Porque, apesar dos números bilionários, evidentemente, ainda há muita falta – de tudo – nas favelas. Mas também existe um mundo de oportunidades para que elas cresçam, inclusive com trabalho e investimento de gente das próprias comunidades.

“Dificilmente uma pessoa da favela consegue ganhar mais do que dois salários mínimos sendo empregado no mercado formal. Tem a ver com uma formação pior do que a média e com racismo, já que a maioria da população é negra”, afirma Renato Meirelles, fundador do Data Favela e presidente do Instituto Locomotiva. Meirelles costuma brincar que “quem inventou as startups foi a favela”. Na prática, os moradores sempre tiveram de se virar para ter uma renda – principal ou complementar – por meio de um negócio replicável e escalável. Eles multiplicam a atividade entre familiares, vizinhos e conhecidos, trabalhando dentro de um contexto de incerteza, características que definem esse tipo de empresa.

E assim, meio startup, meio informal, meio no “sevirômetro”, com ajuda da comunidade ou de investidores de fora, os empreendimentos das favelas nascem, crescem e aparecem. Aliás, o maior sonho profissional da população periférica hoje é ter o próprio negócio – atualmente, 4,2 milhões de pessoas querem empreender –, e 54% afirmam ter alguma renda por meio de uma iniciativa desse tipo.

TECH PARA INCLUSÃO

Sem dúvida alguma, o grande catalisador que vem permitindo o desenvolvimento de negócios nas favelas é a tecnologia. “O progresso atual está ocorrendo porque a tecnologia possibilita algo vital ao crescimento de pessoas e empreendimentos: inclusão”, afirma o

empreendedor e ativista social Edu Lyra, fundador e CEO do Instituto Gerando Falcões, ONG que atende a população de baixa renda nas favelas e oferece educação com foco em esporte, cultura e formação profissional. “Quando vemos empreendedores da periferia que conseguem usar meios digitais e tecnologia para promover um crowdfunding e viabilizar ideias, por exemplo, temos certeza de que a tecnologia realmente é uma aliada para democratizar acessos”, afirma Lyra. “Cada vez mais, é preciso enxergar a favela como uma grande plataforma, onde a gente pode conectar APIs [sigla em inglês que significa interface de programação de aplicativos. Na prática, intermedeia a comunicação entre sistemas e plataformas] de negócios do Brasil e do mundo”, Lyra completa, lembrando que a tecnologia é um habilitador, mas é necessário um alinhamento cultural de longo prazo para eliminar as desigualdades.

Construir possibilidades de negócios é um dos pilares para isso. A tecnologia vem sendo determinante para a criação e a manutenção de negócios, sobretudo desde a pandemia. O evento pandêmico acelerou a digitalização também para negócios periféricos. Para a maioria, utilizar ferramentas tecnológicas para empreender foi um desafio imenso e vencido na raça – na base do autodidatismo, mas também com o apoio em rede. Com o intuito de fazer a favela progredir – e com isso também ganhar dinheiro –, os negócios locais vêm conquistando mentes e corações da população periférica, e de fora dela.

Graças a vários empreendedores, negócios ficaram de pé nesses últimos dois anos, pessoas foram assistidas com doações de cestas básicas, sentiram-se mais protegidas contra a violência e tiveram o direito de ir e vir garantido por iniciativas ligadas à mobilidade, entre tantos outros benefícios. A seguir, conheça como alguns empreendedores e empreendedoras vêm inovando para promover transformação social nas favelas.

SUMÁRIO

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2022-05-05T07:00:00.0000000Z

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