Revista Pequenas Empresas Grandes Negocios

GRANDES PLANOS SOBRE BASES SÓLIDAS

TEXTO ANA LAURA STACHEWSKI E REBECCA SILVA

Fundadora do banco digital Linker e primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), Ingrid Barth fez carreira no mercado financeiro. Começou no atendimento ao cliente da Caixa Econômica Federal — quando ainda era estudante de Economia — e realizou o sonho de trabalhar no banco de investimentos JPMorgan. Então “viciada em CLT”, como ela mesma descreve, colocou um pé no ecossistema de inovação ao virar funcionária da fintech Neon. Encantada pela área, finalmente se tornou empreendedora. Criou o Linker, startup que depois seria vendida para a Omie por R$ 120 milhões. “Ninguém da minha família era do mercado financeiro, eu não nasci com sobrenome da nata da sociedade paulistana e briguei por um lugar ao sol”, diz. Para o futuro, Barth almeja se tornar a primeira mulher presidente do Banco Central do Brasil. Ao longo da trajetória, não supervalorizou o sucesso. Empreender, para ela, tem “zero romantismo e zero glamour”.

INGRID BARTH, 37 anos, é economista e trabalhou por mais de 12 anos no mercado financeiro, com passagens por Santander, JPMorgan e Banco Neon. Em 2018, fundou o Linker, banco digital para pessoas jurídicas, vendido para a Omie em 2021. Atualmente, é diretora de operações na startup, presidente da Abstartups, conselheira da ABFintechs e membro do conselho do Open Finance no Banco Central

Você começou no mercado financeiro tradicional e migrou para o mundo das fintechs, passando pelo Neon e, depois, fundando o Linker. O que te motivou a fazer essa transição, e como foi o processo?

Sempre fui ambiciosa e gostei de pensar grande, de traçar objetivos. Quando alcancei o cargo e a área que eu queria, percebi que tinha chegado ao teto do meu aprendizado. Eu poderia subir de nível e ganhar um salário melhor, mas as minhas atividades não iriam mudar muito. Fiquei pensando: “Será que vou ficar mais 25 anos fazendo a mesma coisa?”. Aquilo começou a me incomodar, e eu não tinha noção do que eu queria efetivamente fazer. Ao mesmo tempo, em 2014, eu estava cursando um MBA em empreendedorismo e inovação e comecei a entender um pouco mais sobre o mercado de startups, que no Brasil ainda era superembrionário. Achei aquilo o máximo, mas tinha dificuldade de me ver empreendedora – eu era viciada em CLT. Pensava, como primeiro passo, em ir para uma empresa de tecnologia grande e já estabelecida. Em outubro de 2016, saí do banco e fiz um sabático sozinha na Ásia. Quando voltei, entrei numa fintech [o Neon]. Descobri que era aquilo que eu queria fazer da minha vida. Caí no mundo de fintechs, tecnologia, inovação, e depois fui empreender. Não foi um processo fácil. Foi superdolorido, porque eu tive de abrir mão de muitas certezas.

Quais lições desse processo você compartilharia com outros empreendedores?

Existe zero romantismo e zero glamour. É muito trabalho duro, principalmente nesse empreendedorismo de alta tecnologia e de startups. Quando você é convidado para fazer uma palestra e subir no palco, é muito fácil se deslumbrar. Tem de ter um autoconhecimento grande e buscar bases sólidas para lembrar que está em uma jornada. Que, no dia seguinte, pode ter dificuldade para captar, pode quebrar, perder cliente e tomar um monte de nãos. Subir no palco para falar com as pessoas não vai trazer sucesso ao seu negócio. Sucesso é pagar suas contas, inspirar positivamente outras pessoas, ajudar seus sócios, colaboradores e outros empreendedores de maneira prática.

Mesmo antes da venda do Linker, você já participava ativamente de outras frentes do ecossistema, da ABFintechs à Abstartups. Como você se organiza para conciliar essas funções?

Eu tenho hiperatividade. É difícil para as pessoas entenderem que eu preciso de muitos estímulos para encontrar o meu equilíbrio. Quando tem uma coisa só para fazer, eu fico murcha, apagada, procrastinando. Meu cérebro funciona melhor com vários estímulos, e foi dessa forma que eu consegui canalizar o excesso de energia que eu tenho. Não recomendo que as pessoas façam isso para não deixar ninguém frustrado. É só o jeitinho que Deus me fez.

O mercado financeiro ainda é muito masculino. Como foi se destacar no meio, primeiro como funcionária e depois como empreendedora?

Eu me vi muitas vezes me masculinizando. Um exemplo: logo depois que eu saí do JPMorgan, tinha um aniversário para ir. Abri o meu guarda-roupa e não encontrei uma peça decotada. Fui me aculturando nesse ambiente no qual não podia usar decote, saia curta ou roupa muito colorida. A masculinização da minha feminilidade foi muito forte para mim, muito mais do que o machismo. Os piores episódios de machismo que eu vi não foram no mercado financeiro, e sim no mercado de startups.

O último mapeamento da Abstartups mostrou que 60% das startups dizem considerar o apoio à diversidade importante, mas 58% não realizam nenhuma ação ou processo seletivo voltado à diversidade. Como engajar o ecossistema nessa discussão?

Startup é uma empresa muito nova. É tanto problema que você tem para resolver que às vezes a questão da diversidade não é priorizada. Como a gente consegue mudar? Quando impacta nas questões financeiras e na retenção de talento. É um trabalho que não tem começo, meio e fim: ele vai estar sempre em construção. Mas tem de ter uma boa vontade genuína de olhar para isso.

A Abstartups tem algum plano nesse sentido?

Não queremos inventar a roda. Não é o papel da associação, por

exemplo, criar programas de diversidade. Temos de dar visibilidade a programas de diversidade que estejam funcionando, a fundos e programas de aceleração específicos que apoiam determinados grupos de diversidade, além de fechar parcerias com trabalhos que já são bem-feitos. O nosso papel é ser conector, representar startups e fazer com que elas tenham sucesso por meio de várias conexões.

Essas iniciativas já foram mapeadas?

Ainda não. O que aconteceu de interessante, que não é pouca coisa, é que eu fui convidada pelo governo para representar o Brasil no G20, em um grupo específico para startups chamado Startup20 [iniciativa criada pela Índia para impulsionar as ações de startups dos países do grupo]. O tópico diversidade é um dos pilares. Não vai ter escapatória: vamos ter de falar sobre isso e apontar ações práticas para diminuir esse gap.

Além de serem minoria entre fundadores de startups, mulheres e pessoas não brancas ainda têm mais dificuldade de captar investimentos e até mesmo obter crédito para os seus negócios. O que pode ser feito para melhorar o acesso a capital e oportunidades?

No Brasil, o crédito é muito utilizado para compra de bens de consumo, como casa, carro e geladeira, e é menos visto como um impulsionador de negócios. Também é muito

mais massificado, não é nichado. A tecnologia pode ajudar a trazer essa personalização com escalabilidade e a encurtar aprendizados. Mas isso demanda uma energia muito grande. Olhar com outro prisma e transformar esse crédito para outras realidades de uma forma que funcione é desafiador.

Você enfrentou dificuldades, enquanto fundadora, para conseguir investimentos?

O acesso a crédito e investimentos nesse meio de startups não é fácil para ninguém. Eu converso muito com investidores e empreendedores, e sempre tem reclamação dos dois lados. Vim do mercado financeiro, então não senti essa dificuldade no sentido de conversar com os investidores, porque a gente falava a mesma língua. Mas não é fácil. É um full time job [trabalho em tempo integral ]. E tem um conflito: o empreendedor gosta de empreender, de estar no dia a dia operacional, conversando com parceiros e futuros clientes. Quando você está num momento de captação, passa muito tempo falando com o investidor e repetindo seu pitch. Então, muitos também acabam achando essa parte de pegar investimento desgastante.

Você assumiu o cargo em janeiro deste ano, em um momento descrito como “inverno” pelo ecossistema. Como tem sido estar no cargo máximo nesta fase do mercado?

Eu empreendi quando teve uma pandemia, né? Eu brinco que sem

pre chego quando a festa acabou. Mas tento não pensar nisso e trabalhar com o que temos. Vivemos no Brasil, que nunca oferece o ambiente ideal. Já tivemos hiperinflação, Plano Collor, congelamento de dinheiro na conta, e as pessoas empreendem desde aquela época. O que estamos passando é consequência de pandemia, é global, não é específico do Brasil. As pessoas precisam comer, morar, estudar, se locomover, e isso gera uma série de oportunidades. É óbvio que tem que se adequar às condições, mas isso é ser empreendedor. Quem quer empreender vai fazer isso com as condições que tiver.

As discussões sobre saúde mental ganharam mais força nos últimos anos, sobretudo com o peso e as mudanças provocadas pela pandemia. Como as empresas, em especial as startups, podem lidar melhor com o bem-estar dos funcionários?

É interessante falar disso, porque foi graças às startups que a gente pôde oferecer [serviços voltados à saúde mental] de maneira mais democrática. Existem algumas iniciativas, até dentro da minha startup, para falar sobre esse assunto com os times. Mas mantendo o limite de não entrar na vida pessoal. Temos desmistificado um pouco esse tema, mas há um caminho longo pela frente. Sofri uma perda gestacional em outubro do ano passado. Eu tenho uma bebê de 1 ano e, quando ela tinha sete meses, eu engravidei de novo de maneira proposital. Perdi com três meses.

Foi muito difícil. Percebi como as pessoas não discutem essas coisas, principalmente as mulheres. Precisamos falar sobre coisas que são tabu até elas deixarem de ser tabu. Falo sobre isso abertamente porque é uma terapia para mim, mas percebi que é mais difícil para quem ouve do que para mim mesma. As pessoas às vezes evitam falar sobre dores e problemas. Isso também faz parte do ser humano.

Tem algo que você aprendeu ou ainda sente necessidade de aprender nesse sentido?

Todo mundo fala desse negócio de equilibrar pratinhos. Eu acho que me preocupo mais com os outros do que comigo nesse sentido. Meu sócio diz que eu sou muito forte, e eu acho isso péssimo, porque parece que as pessoas fortes não ficam tristes. Quem cuida das pessoas fortes? As pessoas acham que você não precisa de cuidado, de empatia, de colo. Você se sente sozinha nesse momento de tristeza.

Você pensa em empreender do zero novamente?

Eu ainda quero fazer tanta coisa, e ao mesmo tempo me sinto meio velha também [risos]. Gosto de fazer e de construir coisas. Pode ser dentro do Linker, pode ser em outro lugar. O que eu penso para longuíssimo prazo, para daqui a uns 10, 15 anos, é ser a primeira mulher presidente do Banco Central. Como eu vou chegar lá? Não faço a menor ideia. Eu estou jogando para o universo. Tenho muito apreço pelo papel do

Banco Central. Faço parte do comitê do Open Finance, então tenho bastante contato com os técnicos, que eu admiro muito. Quero estar lá só por propósito, única e exclusivamente, para que ninguém questione a minha posição. Quero cumprir esse papel de impacto social por meio do financeiro e de empoderamento da população brasileira, a partir daquilo que eu sei fazer melhor, que é a bancarização usando a tecnologia.

O que você espera para o ecossistema em 2023?

Estamos trabalhando muito, como se não houvesse amanhã. Bem pé no chão. O Felipe Matos [atual vice-presidente da Abstartups] costuma me chamar de pragmática, e eu falo que ele é muito elegante dizendo isso. Sou sincerona mesmo. Todos os dias eu acordo e falo: “Deus, não deixa subir à cabeça, pés no chão”, porque a gente não sabe o que vai acontecer amanhã. Eu sou uma pessoa ansiosa, quero sempre crescer, mas com sustentabilidade, para não me frustrar e não frustrar as pessoas. No Brasil, ainda temos muitas oportunidades, não só no mundo de fintechs, mas no ecossistema de startups de uma maneira geral. Meu pai fala uma coisa que eu acho maravilhosa: “A gente não sabe se vai ter emprego, mas trabalho tem pra caramba”. É trabalhar sério, com honestidade e entusiasmo. E não esquecer do entretenimento decadente, dos memes. Senão é muito chato. A gente tem que se divertir também, né?

ENTREVISTA

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2023-03-06T08:00:00.0000000Z

2023-03-06T08:00:00.0000000Z

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