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COMO NEGOCIAR CONTRATOS com GRANDES EMPRESAS

Em uma recuperação judicial como a da Americanas, as pequenas empresas costumam ser as últimas a receber. Como evitar esse tipo de risco?

TEXTO CARINA BRITO

Quando foi anunciado o rombo de R$ 20 bilhões na Americanas, em 11 de janeiro deste ano, o mercado foi pego desprevenido. O anúncio veio acompanhado da renúncia do CEO, Sérgio Rial, e do diretor-financeiro e de relações com investidores, André Covre. Mais tarde, foi revelado que o valor era, na verdade, de R$ 43 bilhões. A varejista não teve outra saída: no dia 19 de janeiro, entrou com um pedido de recuperação judicial em caráter de urgência – que foi aceito no mesmo dia.

Para as pequenas empresas que atuam como fornecedoras de uma das maiores varejistas do Brasil, este é um momento delicado. “Em casos de recuperação judicial, essas empresas costumam ser as últimas a receber o dinheiro”, diz Ana Paula Locoselli, assessora jurídica da FecomercioSP. Segundo a especialista, é impossível se precaver totalmente contra esse tipo de risco ao fechar um contrato com uma corporação.

Mas, como lembra Ana Vecchi, CEO da Ana Vecchi Business Consulting, todo negócio tem riscos envolvidos – o que muda é a dimensão. Na visão da consultora, o que ajuda a fazer escolhas mais certeiras é ter uma visão clara do próprio negócio e saber o tamanho do perigo. Nas próximas páginas, mostramos quais fatores analisar para saber se sua empresa está apta a fazer esse tipo de parceria, como mitigar ao máximo os riscos e o que fazer se tudo der errado.

AVALIE SUAS POSSIBILIDADES

É o desejo de toda pequena empresa ter em seu portfólio de clientes uma companhia de grande porte, diz Erica Bamberg, professora da Fundação Dom Cabral. “Diante da oportunidade, é possível que a empresa não seja tão criteriosa, pois quer apenas fechar o negócio”, afirma a especialista. O primeiro fator que deve ser verificado é: o empreendimento tem capacidade para atender aos pedidos? “Uma análise interna revelará se será possível acolher a demanda e fazer as entregas no prazo solicitado, levando em conta o tamanho do estoque e o número de funcionários”, diz Locoselli, da FecomercioSP. A professora lembra que existem cláusulas em contrato que geram multas em caso de não cumprimento. “Não vale a pena fazer o negócio se não for capaz de atender às expectativas. Até porque, se o serviço não for bom, o cliente não renovará o acordo, e a reputação da empresa poderá ser prejudicada”, afirma a especialista.

FAÇA TODAS AS CONTAS

Um grande cliente pode gerar um volume alto de pedidos e um faturamento que, à primeira vista, será extremamente positivo para o negócio. Mas ter uma maior entrada de dinheiro não é garantia de rentabilidade, lembra Bamberg. “Na maioria desses casos, a margem de lucro é corroída e o caixa fica comprometido. Para ter perenidade e pagar as contas, o que vale é a capacidade do empreendedor em fazer a gestão de caixa.” Não tem como fugir: é preciso calcular na ponta do lápis – ou na planilha – para entender se a proposta será rentável. “Quanto a empresa terá de investir financeiramente para atender a essa nova demanda? E qual será o lucro? Essa conta fecha?”, questiona a consultora Ana Vecchi. Segundo Locoselli, isso deve estar muito claro antes da negociação. “A empresa precisa saber qual é o valor mínimo de venda para que ela tenha lucro.”

NEGOCIE PRAZOS DE ENTREGA E PAGAMENTO

Durante as conversas, é preciso prestar atenção especial ao prazo de entrega do produto pelo fornecedor e ao prazo de pagamento da empresa contratante, diz Locoselli. Ela explica que, normalmente, grandes companhias exigem receber os pedidos rapidamente, mas querem vencimentos longos para quitar o débito. “Isso é normal para empresas de grande porte. Mas, para os pequenos, dependendo do fluxo de caixa, é algo que pode impossibilitar a manutenção do negócio”, afirma. O problema, diz Bamberg, é que a grande tende a se sair melhor na negociação, caso a pequena não saiba se posicionar. Mas, no caso de encomendas maiores, muitas vezes divididas em lotes, é possível sugerir que os pagamentos sejam feitos conforme os produtos forem entregues. “A linha de frente, no caso a equipe comercial, deve estar preparada para ter essas conversas difíceis”, afirma a especialista.

VEJA COMO A EMPRESA TRATA OUTROS FORNECEDORES

Será que a compradora tem uma avaliação positiva no mercado? Se for possível, converse com outros fornecedores. Uma das possibilidades é utilizar o LinkedIn para ir em busca de perfis de empresas ou pessoas que já negociaram com a contratante. “Outro caminho é usar seu próprio networking para buscar quem tenha contato com fornecedores atuais ou antigos da corporação. A receptividade será melhor”, afirma Bamberg. A sugestão da especialista é procurar empresas com entregas elevadas, que vejam esse cliente como um parceiro-chave. Algumas perguntas são fundamentais. Como é a relação desta empresa com os fornecedores? Que importância estratégica este cliente dá aos parceiros? Existe uma abertura para uma parceria mais atuante?

BUSQUE ESPECIALISTAS

Nem sempre o empreendedor tem o conhecimento técnico para entender todas as linhas do contrato, ou perceber se o que está sendo proposto é o que mais se adequa às suas condições atuais. Neste caso, uma ajuda especializada de confiança, como a de um advogado ou consultor de negócios, é fundamental. Vecchi diz que, em algumas situações, as grandes empresas podem propor contratos que apenas as beneficie. “O advogado deve analisar as cláusulas com muita atenção. E, se ele aconselhar a não seguir em frente com a proposta, é melhor recusar.” Esse tipo de ajuda vale o preço que é cobrado, diz Locoselli. “É interessante investir em ter segurança jurídica para saber que não está sendo explorado. O advogado pode enfatizar as nuances que o micro e pequeno empresário não enxergam”, afirma.

DIVERSIFIQUE

Não é o caso de deixar para trás os velhos parceiros no momento em que assinar com uma grande empresa. “Os clientes antigos, mesmo que menores, já estão garantidos, com uma relação construída”, diz Locoselli. Ela alerta que a manutenção do bom serviço é fundamental. “Se não continuar atendendo-os da mesma forma, poderá perdê-los.” Também é necessário definir a porcentagem das entregas que será destinada à corporação, diz Bamberg, pois quanto mais o pequeno apostar em um único lugar, maior será o risco. “Algumas pequenas empresas limitam o quanto de seu faturamento virá das gigantes, estipulando uma faixa de 20% a 30%”, afirma Bamberg. A especialista sugere uma regra simples: um único cliente não deve responder por mais de 10% do faturamento total, para evitar impacto no caixa – a ponto de comprometer o pagamento dos custos fixos da empresa – caso ele desista da parceria.

NÃO TENHA MEDO DE ESTABELECER CLÁUSULAS

Em um primeiro momento, a pequena empresa pode ficar deslumbrada ao ser notada por uma grande. “Por mais honrada que a organização se sinta com o convite, ela deve ter sempre em mente que esta é uma situação em que uma precisa da outra. O pequeno pode se achar pequeno demais, a ponto de acreditar que o grande está acima de qualquer dúvida”, afirma Vecchi. O mesmo vale para o comportamento oposto: sentir-se melhor que todos os fornecedores e se tornar arrogante na negociação. A palavra-chave é profissionalismo, diz Vecchi. “O empreendedor deve ouvir a proposta e perguntar o motivo de estar sendo procurado. Qual é a estratégia e em que local ele se encaixa?” Para Bamberg, é fundamental incluir uma cláusula que resguarde a pequena empresa em um momento de crise. “Você pode até mesmo usar o exemplo da Americanas”, diz.

O ACORDO NÃO DEU CERTO. O QUE FAZER?

Mesmo tomando todas as precauções, nem sempre o acordo será benéfico para a pequena empresa. Nesse caso, é preciso saber como encerrar a parceria. Para Bamberg, traçar uma estratégia, começando por diminuir a participação daquele cliente na operação, é o primeiro passo. “Da mesma forma que o empreendedor deu preferência ao grande contrato, ele deverá agora dar preferência a outros mercados”, afirma. Ela sugere uma reunião presencial, para garantir a transparência. “Tem de ser uma saída digna. Tenha calma e clareza para conversar com as pessoas-chave.” Locoselli concorda que a lisura é fundamental. É importante explicar que as condições contratadas não estão sustentando o negócio. “A transparência deixa as portas abertas para uma negociação futura.”

BACK END • HOW TO

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2023-03-06T08:00:00.0000000Z

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