Revista Pequenas Empresas Grandes Negocios

CAROLINA STROBEL

TEXTO REBECCA SILVA FOTO SAMUEL ESTEVES

A advogada e investidora fala sobre as transformações do ambiente de inovação, o que faz um pitch ser vencedor e quais características busca em um empreendedor

Carolina Strobel não buscou o mercado de tecnologia, mas uma oportunidade de emprego a aproximou de um ecossistema de startups ainda incipiente no Brasil, em 2001. Depois de trabalhar durante anos no mercado financeiro como advogada, ela encontrou nas empresas de base tecnológica o seu propósito e construiu sua jornada profissional como gestora de capital de risco em um mercado majoritariamente masculino. “Eu olho sempre para a tecnologia, os investimentos e o propósito do que eu quero alcançar e do que eu quero ser. Meu objetivo é fazer parte de uma mudança no acesso a esse sistema de capital”, afirma. Foi com essa visão que entrou como sócia operacional do fundo Redpoint eventures, em 2019, e passou a atuar como conselheira de empresas, entre elas Randon, Softplan e Sinqia. Mais recentemente, em 2022, sua experiência rendeu a ela o convite para ser sócia-fundadora da célula brasileira da incubadora e aceleradora Antler, que tem sede em Cingapura. Em entrevista a PEGN, ela fala sobre as transformações que vivenciou no ambiente de inovação nacional, o que faz um pitch ser vencedor e quais características busca em um empreendedor.

Como você iniciou a carreira no venture capital? Foi algo que você buscou?

Eu tenho uma visão vertical de carreira. Não acredito em carreiras horizontais, em ficar cada vez mais especializada em um tema. Tive muita sorte, porque o capital de risco apareceu na minha vida como uma oportunidade. Em 2001, ao voltar do meu mestrado na Inglaterra, eu entrei para a Intel Capital [braço de inovação da Intel na América Latina]. Foi assim que eu aprendi que tecnologia, comunidade e propósito são as três bases da nossa indústria de inovação. Depois, planejei possíveis movimentações para que pudesse ter uma visão mais holística sobre a indústria e me expor a outras possibilidades, como criar uma startup. E foi assim que me tornei diretora de inovação da Restoque S/A, de varejo. Vi que eles tinham uma oportunidade incrível de montar uma fintech e liderei esse projeto. Foi bom porque estava dentro da empresa, tinha suporte, e me deu uma visão bem diferente sobre trabalhar com orçamento, fazer plano de negócios. Aprendi muito nessa fase.

Como foi sua entrada na Redpoint eventures e, posteriormente, na Antler?

Quando estava na Restoque, comecei a olhar para a minha carreira e ver que queria voltar para o capital de risco. Os sócios da Redpoint eventures souberam que eu estava procurando uma oportunidade e me chamaram para ser sócia. Somos poucas gestoras na área de capital de risco, então foi um orgulho. Cada emprego que eu tive foi uma escola diferente. A Redpoint, por exemplo, me formou muito em questões relacionadas a teses [grandes problemas de uma área que precisam ser resolvidos] e a portfólio. A Antler, que tem um modelo absolutamente inovador, é outro orgulho gigante para mim. Lá, em vez de olhar a tese, algo a que estava acostumada na Redpoint, a proposta é conhecer as pessoas e a capacidade de execução delas. Essa atuação tem me dado a oportunidade, nessa fase da minha carreira, de olhar para o early stage e de alcançar bolsões de pessoas fundadoras diferentes, invisíveis ao venture capital tradicional. Acredito muito em apoiar o empreendedor desde o dia zero, porque acho que essa é a chave para a construção de um futuro melhor. Eu olho sempre para a tecnologia, os investimentos e o propósito do que eu quero alcançar e do que eu quero ser. Meu objetivo é fazer parte de uma mudança no acesso a esse sistema de capital.

Você atua no mercado de venture capital há mais de 20 anos. Como era tratada a questão da falta de diversidade no setor em outros períodos?

A indústria foi se desenvolvendo com o tempo. Naturalmente, o que a gente via, no início, era uma pequena bolha de pessoas que sabiam o que era capital de risco, qual era o perfil de investimentos. Essa bolha foi aumentando à medida que o ecossistema amadureceu. E está se democratizando cada vez mais. Ainda assim, ela reflete o nosso modelo social e demográfico. As pessoas que são sub-representadas na sociedade permanecem sub-representadas no acesso ao capital – talvez até mais, porque são aquelas que não conhecem as pessoas da indústria, que não têm o preparo adequado para saber o que o capital de risco valoriza. Durante toda a minha vida, vi pouquíssimos pitches de pessoas negras ou de mulheres. O mesmo tipo de profissional é visto o tempo inteiro porque é o tipo que faz parte do círculo: pessoas que se formaram em Stanford, Harvard, ou que já fundaram startups.

Qual é a sua leitura do ecossistema de startups brasileiro atualmente?

Eu já vi muita coisa acontecer, essa indústria é cíclica. O movimento que a gente está vendo agora é de retração. Há uma desvalorização das empresas de tecnologia de capital aberto nos Estados Unidos e no Brasil e uma retomada de investimentos na economia de bens de consumo. Isso acontece em um cenário de inflação e de juros altos, que não favorece a inovação em lugar nenhum. Assim, muita gente prefere deixar dinheiro no banco sem servir a um propósito. Vivemos um momento em que o investimento de venture capital não parou, pelo contrário. Ele continua, mas teve uma retração natural. O primeiro trimestre de 2023 remonta aos números de 2020. Caiu em comparação a 2021, mas não em relação a quando eu comecei, em 2001. Vamos lembrar que a indústria de capital de risco tem ciclos longos, de oito a dez anos. Aqui na América Latina são ciclos de até 12 anos.

É possível dizer que essa aversão ao risco leva os investidores a apostarem as fichas e confiarem em perfis mais conhecidos?

Os fundos começaram a ser mais cobrados pelos seus investidores. Eles estão mais rígidos na hora de investir, então voltaram a olhar para as métricas básicas, como queima de caixa e receita. Acho isso benéfico e até saudável para o sistema no longo prazo, porque deixa as avaliações e as expectativas mais adequadas. Mas também faz com que o investidor fique olhando para aquele grupo com pessoas que ele sabe que já fundaram outras empresas, se formaram em grandes universidades, que se acredita que saibam mais sobre o básico. Então, eles vão para o lugar seguro.

Para você, qual é o perfil da pessoa fundadora de sucesso? Quais características costuma ter?

Eu gosto muito da definição do livro A Mentalidade do Fundador [de James Allen e Chris Zook]: a maioria das empresas que atingem a fase de crescimento sustentável se baseia nas atitudes e nos comportamentos originários da pessoa fundadora que é ambiciosa, que tem uma visão clara do caminho a ser seguido, que tem a cabeça de dono. São pessoas que estão muito preocupadas com a missão que foi inicialmente proposta, com o problema que precisam resolver. É preciso ser alguém que tenha cuidado com os custos, mas que some isso à insurgência e à obsessão por ser o melhor e ter o melhor produto. Isso vai se desenvolvendo ao longo do caminho – ninguém espera que o primeiro MVP de uma startup seja perfeito. Mas, ao longo do tempo, essa obsessão é muito importante para se diferenciar dos demais, porque isso vai fazer você conseguir capital para o resto da sua vida. Nessa indústria, você deve pensar como um otimista para vencer, mas executar como um paranoico para sobreviver. Se não fizer isso, você está fora, em qualquer situação.

O que ainda precisa amadurecer no ecossistema brasileiro?

Precisamos torcer para ter menos inflação e menos juros altos. Dessa forma, as pessoas podem investir em empresas inovadoras, em vez de colocar sua liquidez no mercado de capital aberto ou em outros títulos financeiros. A gente também precisa ter mais exemplos de sucesso. As pessoas precisam parar de pensar que o IPO é a saída obrigatória para todo mundo. Em 90% dos casos, desde quando eu comecei a fazer venture capital, as startups são vendidas para outras empresas. Precisamos de exemplos de empreendedores de sucesso que sejam referência, que ganharam muito dinheiro com isso. É um ciclo virtuoso – aquela pessoa que teve um excelente resultado volta a investir, volta a participar. Isso também é muito importante.

Existem empreendedores que não devem buscar capital de risco para crescer? Quem são essas pessoas ou negócios?

As pessoas acham que qualquer negócio é para capital de risco, e essa desconstrução é muito importante. É claro que o investidor coloca dinheiro em várias startups que não vão dar certo, mas ele tem que olhar para a empresa que vai dar um excelente resultado, que tenha um potencial de crescimento muito grande e possa eventualmente pagar o valor do fundo de volta. Se a pessoa quer empreender num mercado que é de nicho, que é só para uma comunidade, não é para capital de risco – é possível conseguir dinheiro com outros tipos de investidor. Cada um tem o seu caminho, e nem todo mundo tem de virar unicórnio ou precisa de investidor. O aporte de venture capital é muito mais do que o dinheiro: é para gerar networking, para ajudar a abrir portas diferentes para sua empresa e a pensar de forma estratégica. Eu acredito que pensamentos diferentes fazem uma empresa crescer mais rápido.

A pessoa fundadora que está começando deve ter organizados quais dados do negócio? Qual é o horizonte de tempo para o qual ela deve olhar?

Eu acho que é muito importante que ela faça um bom plano de negócios, que realmente possa ser executado, mas que também inclua um objetivo ambicioso. Tudo que você mapeou vai acontecer? Provavelmente não, mas desenhar e saber como você quer seguir é importante. Não deixe para ver o que aparece no mercado.

Você é o dono da sua carreira, da sua empresa. Você é quem toma as decisões, você que tem a responsabilidade de fazer a empresa crescer. O investidor está lá para te ajudar, ele é uma ferramenta. Eu gosto de olhar para um horizonte de três a quatro anos, e é a visão dessa pessoa fundadora refletida no plano de negócios que vai me mostrar por que eu devo investir nela. Essa pessoa tem de me convencer de que o caminho que ela propõe é o melhor, que ela é a melhor profissional para executar esse plano. Ela também tem de me convencer que tem a mentalidade para repensar o que construiu, se o caminho mudar. A obstinação e a vontade de realmente solucionar o problema fazem a diferença nesse momento.

Como investidora, o que brilha seus olhos ao escutar um pitch? O que não pode faltar em um bom pitch e o que não pode acontecer?

Eu gosto de ver diversidade no pitch, de saber que existe um time, que tem mais de uma pessoa trabalhando nisso, olhar a forma como estão endereçando o problema e por que acham que vão fazer melhor do que as outras empresas, se for um modelo que já existe. É importante olhar no meu olho e falar com confiança e naturalidade a respeito do tema, trazer dados – senão eu acho que não fez a lição de casa da maneira adequada. Gosto quando ela assume que não sabe alguma coisa e diz que retorna com a resposta. Prefiro isso a alguém que fala sem ter certeza. Desse jeito, perco a confiança, pois é um storytelling muito importante. Quando você vai convencer o investidor a te dar dinheiro para que você desenvolva alguma coisa, aqueles que têm carisma saem ganhando, porque já te conquistam na conversa. Às vezes, eu posso até não investir, mas, se vejo que ali tem alguma coisa, fico de olho, penso em como posso ajudar.

Quais são suas características pessoais e profissionais que mais possibilitam sua atuação como investidora?

Experiência, curiosidade, vontade de aprender, otimismo. Naturalmente, gostar de pensar diferente, não ser refratária a mudanças, estar acostumada a conviver com pessoas diferentes, ouvir opiniões. Essa última é uma característica que a gente está perdendo. Esse negócio de que só existe uma verdade absoluta é péssimo para a inovação. Existem muitas verdades, e a gente tem de conviver com todas elas, entendê-las e fazer com que elas trabalhem a nosso favor. Eu me considero uma pessoa que tem a possibilidade de fazer com que um negócio atinja o seu maior potencial, que possa ter mais acesso a capital. Isso é importante porque me ajuda a construir o mundo da maneira que eu acredito.

Com qual frequência você ouve pitches de empreendedores?

Eu escuto pitches todos os dias porque trabalho com os 70 empreendedores do programa da Antler, e cada um deles está em processo de ideação diferente. Faço cerca de quatro a cinco encontros por dia, momentos de 15 a 20 minutos com cada empreendedor. Para trabalhar com capital de risco você tem de ter a cabeça aberta. Eu escuto todo mundo sempre que posso, porque é assim que eu me educo, com essa experiência de ver as pessoas falando. Vou criando um benchmarking do que é um bom pitch, do que faz diferença para mim, a que dados eu quero ter acesso. Participar do início das empresas demanda um nível de energia muito alto de cada um desses fundadores, e é muito legal estar ao redor deles. É um privilégio – eu tenho muita sorte.

SUMÁRIO

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2023-05-04T07:00:00.0000000Z

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