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COMO COMBATER O ASSÉDIO SEXUAL NA EMPRESA

COMO IDENTIFICAR e COMBATER o ASSÉDIO SEXUAL NA EMPRESA

TEXTO ADRIANA FONSECA

Nova lei estabelece medidas de proteção que devem ser implementadas. Entenda como

Em março, uma carta aberta de empreendedoras e investidoras de startups chamou a atenção para casos de assédio nesse ecossistema. O documento, endereçado à Associação Brasileira de Startups (Abstartups), trazia denúncias e cobrava mudanças. Em outro segmento da economia, o de óleo e gás, dezenas de denúncias de assédio na Petrobras foram feitas em um grupo de WhatsApp. Não são casos isolados. “O assédio sexual é sabidamente algo não só altamente crítico, mas um dos grandes entraves para o ingresso e o desenvolvimento das mulheres no mundo do trabalho”, afirma Gisele Borsotte, psicóloga e coordenadora do núcleo de enfrentamento à violência contra a mulher da Mental Clean, que assessora empresas no combate à violência de gênero.

É papel das empresas olhar com cuidado para o tema e endereçá-lo adequadamente. “O ideal é que as denúncias sejam apuradas por um canal próprio, que assegure o sigilo e seja especializado”, afirma a advogada Mirella Pedrol Franco, do GBA Advogados Associados. “Algumas companhias já têm comitês de mediação de microagressões, para tratar de casos mais leves e prevenir problemas graves futuros.”

Recentemente, uma lei foi promulgada determinando que todas as organizações com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) adotem medidas concretas para lidar com o assunto. “As empresas deverão incluir temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio e outras formas de violência nas atividades e nas práticas da CIPA”, explica Franco. Uma companhia que não amplia seu conhecimento sobre o tema está cometendo um erro, afirma Borsotte. “Casos de assédio são muito frequentes, e a maioria esmagadora não ganha relevância pública ou sequer é denunciada”, afirma a especialista. “Quando a empresa acolhe, presta o primeiro atendimento à mulher em situação de violência e a encaminha aos demais órgãos, ela está estimulando o Estado a fazer a sua parte.”

O PROBLEMA EM NÚMEROS

Em 2022, foram registrados 4.539 novos casos de assédio sexual na Justiça do Trabalho, de acordo com o ranking dos Assuntos Mais Recorrentes, divulgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). O número não difere substancialmente do que foi visto nos anos anteriores. Em 2021, foram 4.690; em 2020, 4.264; e em 2019, 4.818.

OS TIPOS DE ASSÉDIO

A advogada Mirella Pedrol Franco, do GBA Advogados Associados, explica que assédio sexual é “toda conduta indesejada, impertinente, de natureza sexual que restrinja a liberdade sexual da vítima”. Ela acrescenta: “É preciso ressaltar que a reiteração não é imprescindível para a caracterização do assédio sexual”. Isso significa que um ato não precisa acontecer mais de uma vez para ser considerado assédio.

O assédio sexual, diz Franco, tem características peculiares e, na maior parte das ocorrências, o assediador é um superior que usa a posição de chefia para chantagear e constranger a vítima. Contudo, há também o chamado assédio por intimidação, que acontece quando o poder hierárquico é irrelevante. Nesse caso, a agressão pode ocorrer entre colegas de trabalho na mesma posição. “Ele se caracteriza por instigações inoportunas de natureza sexual, que podem ser verbais, não verbais ou físicas, com o efeito de criar um ambiente de trabalho ofensivo e hostil, além de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa”, afirma a advogada. “O aspecto fundamental é a violação do ‘poder de dizer não’ da vítima.”

Alguns exemplos de condutas que podem ser classificadas como assédio sexual são: insinuações, explícitas ou veladas, de caráter sexual; gestos ou palavras, escritas ou faladas, de duplo sentido; conversas indesejáveis sobre sexo; narração de piadas ou uso de expressões de conteúdo sexual; contato físico não desejado; convites impertinentes; solicitação de favores sexuais; e elogios de conotação sexual.

“É importante lembrar que o assédio sexual não decorre da conduta da vítima, de seu comportamento ou de sua vestimenta, mas sim da conduta e do comportamento do agressor, ainda que a vítima não o tenha rechaçado de forma expressa, por vergonha, por desconhecimento ou por medo”, frisa Franco.

PREVENIR É MELHOR

Especialista em compliance, Fernanda Barroso, diretora-geral da Kroll para a América Latina, uma multinacional de consultoria de riscos e investigação empresarial, afirma que é importante a companhia formalizar uma política interna em relação ao assédio sexual no local de trabalho. Essa diretriz deve definir claramente o que são condutas inadequadas, alinhando o entendimento entre todos os funcionários da organização, de diferentes idades e culturas. “Todos os colaboradores devem ter acesso e receber treinamento para entender o que não é aceitável no ambiente de trabalho e as implicações de comportamentos inadequados”, diz. “Deve também existir um mecanismo seguro para denúncia anônima, e os funcionários devem ser estimulados a reportar situações de assédio.”

A especialista comenta, ainda, que as equipes de RH precisam ir a campo e ouvir os empregados. “A ação vai proporcionar oportunidades de entender o que acontece e refletir isso na comunicação e no treinamento”, diz Barroso. “A visibilidade consistente do RH e da gerência ajuda muito a garantir um ambiente de respeito.”

Vale lembrar que a criação de uma cultura de prevenção ao assédio é assunto de organizações pequenas, médias ou grandes. “As empresas em seus diversos tamanhos devem garantir um ambiente seguro para o trabalho e empreender a cultura de cuidado, principalmente para as mulheres”, comenta Fátima Macedo, psicóloga especialista em saúde mental do trabalhador e CEO da Mental Clean.

MONTE UM CANAL DE DENÚNCIAS

O canal deve ser anônimo e ter mecanismos para impedir a identificação dos denunciantes. Tão importante quanto ter um meio de comunicação com essas características é treinar bem a área responsável por apurar os relatos, de forma que saiba como realizar uma investigação e aplicar as medidas necessárias, descreve Barroso.

Macedo comenta que, além da instituição do canal de denúncias, ele precisa ser amplamente divulgado e ter estabelecido um fluxo claro.

O QUE FAZER APÓS UMA QUEIXA

A empresa deve ter uma área interna responsável por dar andamento à investigação, com apoio de terceiros especializados quando necessário, que saibam apurar o ocorrido dentro de uma cultura de respeito e sem retaliação, diz Barroso. A equipe encarregada precisa estar preparada para de fato aplicar as punições cabíveis, diz a especialista.

Macedo lembra, ainda, da importância de se garantir o acolhimento da denúncia. “O relato deve ser recebido de forma sigilosa”, reitera. “Caso existam documentos que comprovem o assédio, como prints e mensagens, é preciso garantir que esse material fique guardado e não permitir sua divulgação.”

Também é importante que a denunciante seja ouvida de forma qualificada e amparada em seu sofrimento, ressalta Macedo, “oferecendo apoio psicológico caso necessário”. Até a resolução efetiva do caso, ela diz, podem-se usar técnicas de mediação de conflito, buscando um equilíbrio temporário nas relações profissionais.

PARA NÃO ERRAR

O principal – e talvez o mais grave – erro cometido pelas empresas durante as investigações é não respeitar a confidencialidade da queixa e o anonimato do denunciante, afirma Cristian Divan Baldani, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados. Segundo ele, esse problema pode ser resolvido com a instituição do canal de denúncias anônimo e independente, por meio do qual é possível fazer a queixa sem que a empresa saiba. Isso resguarda a vítima em caso de receio de retaliação.

“Também nos deparamos no dia a dia com a falta de conhecimento acerca do limite da investigação quando se trata de um possível ato criminoso”, pontua. “Nessas situações, é importante que as empresas saibam até onde pode ir a investigação interna e quais casos devem ser repassados ao órgão competente, além do timing correto para que isso seja feito.”

POR DENTRO DA LEI

Promulgada em setembro de 2022, a lei 14.457 trata, entre outros temas, do assédio sexual nas empresas. O texto obriga todas as organizações que contam com uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) a adotar, desde março, uma série de medidas para combate ao assédio e à violência no ambiente de trabalho. Entre as novas exigências está a realização periódica de treinamentos sobre violência, assédio, igualdade e diversidade no trabalho para capacitação, orientação e sensibilização dos empregados de todos os níveis hierárquicos. “O principal ponto é trazer maior conscientização para as empresas. Por ser obrigatório, elas terão de colocar em prática esse tipo de treinamento”, afirma Baldani.

As companhias também precisarão incluir em suas políticas internas e códigos de ética regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência, com ampla divulgação dos conteúdos aos seus funcionários. Outro aspecto previsto é a criação de um canal para recebimento de denúncias que garanta o anonimato do denunciante, além da instauração de processos de apuração para acompanhamento dos casos.

PUNIÇÕES PARA QUEM NÃO CUMPRE A LEI

Baldani comenta que as empresas que deixarem de observar as medidas da lei estarão sujeitas a investigações, fiscalizações e multas. Também poderão ser ajuizadas pelo sindicato dos empregados ou pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em ações coletivas e ações civis públicas. “Dependendo do caso, o juiz do trabalho pode entender que o descumprimento dessas obrigações atrai a responsabilidade civil da empresa pelos danos experimentados pela vítima, bem como aumenta o valor da indenização pela violação de regras claras e objetivas que poderiam permitir a conscientização no ambiente de trabalho e evitar o fato”, conclui.

Franco diz que as empresas tiveram até o mês de março para se adequar à nova lei e afirma que as que ainda não o fizeram devem contatar os departamentos jurídico e de recursos humanos o mais rápido possível para regularizar a situação.

SUMÁRIO

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2023-05-04T07:00:00.0000000Z

2023-05-04T07:00:00.0000000Z

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