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Collab JUNÇÃO DE FORÇAS

Aumentar o valor agregado de uma peça é o principal objetivo de uma collab, que acontece quando duas marcas se unem para criar uma coleção, seja ela algo grande, seja uma cápsula (poucas peças). Para isso, é preciso estudar bastante o perfil da parceira com a qual se quer associar. Ao mesmo tempo em que ela deve trazer um diferencial, uma novidade para o produto, também necessita estar em consonância, ter o mínimo de identificação.

Não dá para criar uma peça tão descolada do DNA original, caso contrário, o consumidor sequer reconhecerá a marca que gosta e compra, explica Danielle Santos, da ESPM. “Por esse motivo, é fundamental que os cocriadores daquele conteúdo consigam se conectar com a história que precisa ser contada naquela coleção.”

Para os dois lados da collab, a vantagem é se tornar conhecido de outros públicos e aumentar a capilaridade das vendas. Funciona, ainda, como uma boa estratégia de marca para entender quais são as potenciais sinergias entre os colaboradores e, por que não, para realizar testes de produtos para além do arroz com feijão.

Por mais que, no dia a dia, a equipe de criação “invente moda” para trazer novidades constantemente, algumas são mais ousadas e, consequentemente, arriscadas. Assim, podem ser colocadas em prática numa parceria que ajude a endossar aquela ideia.

“Numa associação de nomes, dá para experimentar, entender e medir o nível de aceitação do público diante de um novo estilo de design, de modelagem e de estamparia”, diz a especialista em marketing para negócios de moda.

É possível ir mais longe: nem sempre uma collab precisa agregar dois parceiros de moda. Se for coerente, dá para associar uma marca de moda a uma de decoração ou de beleza, por exemplo. Uma possibilidade que, segundo Naia Silveira, da WGSN, é tendência, são os licenciamentos.

Para que esse modelo tenha sucesso, é imprescindível observar alguns tópicos importantes. O primeiro é deixar claro, inclusive em contrato, quais são as atribuições de cada uma das partes. Até que ponto uma pode interferir no trabalho da outra – e, quando não se chegar a um acordo, o que desempata ou desempaca.

Também é importante combinar quanto cada um vai fazer de investimento e ter como pagamento. Não existe uma praxe no mercado: em geral, os valores costumam ser proporcionais ao tamanho de cada marca. Se um lado é maior e possui mais visibilidade, pode aportar um valor X para ter um retorno proporcional no lucro que a coleção trouxer, por exemplo.

É bom ter em mente que a collab certa só tem a potencializar ambas as marcas. De quebra, provoca os consumidores dos dois lados, que ficarão ávidos por ter uma peça exclusiva daquela coleção.

A ARTE DE CEDER

O nome Negro Piche veio da lembrança da infância de uma criança negra estudando em escola de brancos. Remete aos apelidos e às formas pejorativas frequentemente atribuídas ao cearense Iury Aldenhoff, 27 anos, que transformou essa violência em algo positivo e afirmativo.

Ele conta que o empreendedorismo corre na veia. Bem cedo, vendia canetas no colégio; depois, comercializou sacolé e lingerie. E, um dia, ao confeccionar uma camisa com sobra de tecido de um figurino do espetáculo do seu marido, viu potencial em mais um item. “Era o auge da camisaria estampada, e todo mundo me parava na rua para perguntar onde eu tinha comprado a peça”, lembra.

O lote de estreia da marca nasceu assim, no improviso, em 2017. As peças eram vendidas no hall do teatro e em eventos ligados à arte cênica na cidade. Com seis meses, Aldenhoff deixou o emprego na área da gastronomia e convidou a mãe, Ionete Rodrigues, 52 anos, que já havia costurado para grandes marcas, para ser sua sócia.

A grife começou no digital e, em 2019, saiu da periferia para um ponto físico na praia de Iracema, região litorânea, onde o poder aquisitivo é maior. “Foi um passo importante, porque acredito que devemos ocupar espaços onde o produto se encaixa, e não apenas naqueles em que a sociedade quer nos colocar”, diz. Em 2022, as vendas explodiram, e o empreendedor ampliou a loja física.

Nesse período, a Negro Piche fez uma collab com a C&A. “Uma amiga me falou do edital Todes na Moda, voltado a empreendedores LGBTQI+, e me inscrevi na última hora. Fomos selecionados e passamos por um processo de formação, que durou alguns meses. Recebemos uma bolsa para podermos nos dedicar a esse aprendizado, e em 2022 fomos convidados a desenvolver uma coleção”, conta. O pagamento para produzir 7 mil peças veio adiantado: “Foi desafiador dividir a coleção, porque a outra parte também opina. É a arte de ceder aqui e ali”.

Mas a experiência foi tão positiva que hoje a marca tem collabs com diferentes artistas de Fortaleza e Salvador. “Para esse tipo de parceria vingar, é preciso acreditar no trabalho do outro. A gente dá visibilidade para ele, e ele, para nós”, diz. Um ganha-ganha que enriquece o negócio, afirma Aldenhoff, que prevê faturar R$ 500 mil neste ano.

Esse é um segmento em evidência e promissor no mundo todo. No Brasil, cresceu 75,4% nos últimos dez anos, e a perspectiva é de continuar se expandindo 10% ao ano. Por aqui, mais de 120 milhões de pessoas são gordas, o equivalente a 57,25% da população adulta, assim como 12,9% das crianças e 7% dos adolescentes.

Em 2025, a ONU (Organização das Nações Unidas) estima que 2,3 bilhões de adultos estarão gordos, e 700 milhões precisarão vestir tamanhos acima de 50. Todos esses dados fazem parte do Relatório Setorial Mercado Plus Size 2022, da Associação Brasil Plus Size (ABPS).

Não à toa, mais de 25% do varejo de vestuário possui tamanhos plus size em sua grade regular, segundo a ABPS, e novas confecções de varejo físico e e-commerce especializados em plus size surgem a cada dia.

Diante desse cenário, empreender nesse segmento é promissor. “Cada vez mais, a inclusão de corpos reais nas passarelas, nas fotos e no dia a dia das marcas vem aumentando”, afirma Thais Oliveira, analista do Sebrae. Para ela, esse é um movimento em direção à moda mais sustentável.

“Dentro do nicho plus size, vale pensar que há outras chances de segmentação: feminino, masculino, crianças, adolescentes, idosos, moda festa, fitness, praia, lingerie. Seja qual for a escolha, o importante é ter sensibilidade para entender as dores do cliente, que já passa por diversas dificuldades no cotidiano”, destaca.

Incluir e diversificar. Esse entendimento passa por vários tópicos, desde pensar em estamparia inclusiva – foi-se o tempo em que peças de tamanhos grandes “tinham” de ser sóbrias e discretas, justamente para esconder esses corpos –; modelagem que adapte e dê bom caimento a itens “excludentes” até então, como um top cropped; até planejar a localização dessa moda no layout da loja física.

“Mesmo que o público seja um nicho, ele não quer se ver à parte. O ideal é oferecer a moda plus, sim, porém, não fazer a pessoa ir lá atrás, na área de tamanhos grandes. Ou à loja que vende só essa numeração. Essas pessoas desejam ir aos mesmos locais que os magros frequentam”, afirma Naia Silveira, da consultoria WGSN.

Danielle Santos, da ESPM, completa: “Não se trata apenas de produzir roupas de tamanho grande. Esse público não se contenta mais em vestir o que cabe. Busca estilo, quer se encaixar em tribos e grupos – e isso também passa pela moda”.

TRABALHO NO AMOR PRÓPRIO

“Sou de um tempo em que pessoas com corpos maiores compravam o que tinha, não o que desejavam. Camisa polo horrível, calça sem modelagem.” É assim que Rodrigo Santos, 40 anos, fundador da Lambuzada, de São Paulo (SP), lembra de seu interesse por moda plus size. “Eu mesmo não encontrava nada legal para mim, do meu tamanho, com a minha identidade. Por isso, ia atrás de tecidos e mandava na costureira. Era frequente me pararem na rua para perguntar de onde eram as minhas camisas.”

Ao ser demitido de uma fábrica de eletrodomésticos que faliu, empreender na área de moda foi um caminho natural. Ele tinha contatos de amigos e de amigos de amigos para quem já havia produzido algumas peças – e esse foi o início, em 2015, da marca, que tem um nome escolhido a dedo para representar algo doce, abrangente, que o cliente pudesse usar e abusar, com muito prazer.

Com camisas, calças, conjuntos, quimonos e moletons, entre outras peças, atende todos os tamanhos e tipos de corpos, do 36 ao 70 – e, se preciso, além deles, porque o empreendedor se compromete a fazer ajustes, se necessário, para que ninguém deixe de ser contemplado.

“Trabalho não apenas com roupas, mas com autoestima. Tem gente que não sai de casa porque não tem roupa que fique bem. Recebo inúmeras mensagens de gente agradecendo por finalmente encontrar uma peça – bonita! – do seu tamanho. Esse feedback me diz que estou no caminho certo”, afirma.

A Lambuzada tem loja física e online e vende um volume parecido nas duas. No site, são cerca de 200 pedidos por mês. O faturamento em ambos os canais é por volta de R$ 120 mil mensais, ante os R$ 89 mil por mês do ano passado.

Para o empreendedor, a moda plus size tem espaço para crescer: “Muitas pessoas ainda precisam fazer o exercício de vestir algo e se sentir bem. Elas estranham quando põem uma peça e são admiradas. Usar uma moda adequada muda a pessoa, que fica mais confiante e feliz”.

O desafio, no entanto, é manter o ritmo criativo. Santos faz questão de desenhar as estampas diferentes – que são coloridas e divertidas – para imprimir nos tecidos: “Estou sempre, literalmente, inventando moda”.

DATA BASE • MODA SOB MEDIDA

pt-br

2023-11-03T07:00:00.0000000Z

2023-11-03T07:00:00.0000000Z

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